Despreparo e nenhum receio de atirar: PMs mataram 40 pessoas em surtos de saúde mental entre 2024 e 2025
Carlos Eduardo Nunes, morador de Guaíba de 44 anos, estava correndo, em surto, pela rua após ter roubado um celular quando foi abordado por quatro brigadianos, sendo que dois estavam à paisana. Nunes, com comportamento agressivo, foi imobilizado com um “mata-leão”. As imagens da câmera de segurança do local, usadas para analisar o caso, mostram o agente que aplicou o golpe prendendo o pescoço de Carlos por mais de um minuto.Ele fica no chão desacordado, é contido e arrastado até a viatura da Brigada Militar. Os policiais já tinham tentado, sem sucesso, imobilizá-lo com um disparo de arma de choque e o próximo recurso utilizado foi o “mata-leão”. Em São Paulo, o golpe chegou a ser proibido em 2020 pelos riscos que apresenta à integridade física da vítima.Nunes estava em surto por conta de uma condição médica. À GZH, familiares do homem relataram que ele teria traços de esquizofrenia. Ele foi colocado em coma induzido depois da ocorrência.Nesta segunda-feira (1º), Nunes faleceu devido às complicações de suas funções neurológicas causadas pela parada cardiorrespiratória, que se deu pela asfixia, depois de dois meses irresponsivo no hospital. O inquérito da Polícia Civil, porém, não apontou relação entre a imobilização policial e a parada cardiorrespiratória, assim como a Corregedoria da Brigada Militar ao analisar o caso.Agora, o Ministério Público irá avaliar o inquérito da Polícia Civil, enquanto, no campo militar, está nas mãos do Tribunal de Justiça Militar do Estado. De acordo com o G1, a família quer que as investigações sejam reabertas e já teria providenciado um advogado para cuidar do assunto. Também ao G1, a delegada responsável pela investigação, Karoline Calegari, afirmou que os policiais envolvidos “agiram em estrito cumprimento do dever legal”.A morte de Carlos Eduardo Nunes é um dos 123 casos coletados entre janeiro de 2024 e agosto de 2025 em um levantamento exclusivo do Sul21 que mapeou o cenário da violência policial contra indivíduos em uma crise de saúde mental no Brasil. Possível despreparo de forças policiais militaresFeito a partir da coleta de notícias publicadas na imprensa, o levantamento é extraoficial, uma vez que não existe uma pesquisa técnica de Segurança Pública que compile os dados desse tipo de abordagem.Inclusive, por conta da subnotificação das ocorrências e da dificuldade da polícia em determinar, previa ou posteriormente, o transtorno da vítima, os números da reportagem tendem a ser inferiores aos que a realidade apresenta.No levantamento foram identificados, ao todo, 57 casos no ano passado. A taxa de letalidade deste tipo de ocorrência — de cerca de 40% —abre uma janela para questionamentos sobre a possível falta de preparo dos agentes para lidar com este tipo de situação.No ano de 2024, 23 pessoas em surto psicótico ou esquizofrênico foram mortas por agentes das Polícias Militares do Brasil. Todas morreram em decorrência de ferimentos causados por armas de fogoAinda que o desfecho não seja a morte, a chance da pessoa envolvida sair ferida é alta. Em 29 oportunidades (mais da metade dos casos), a abordagem policial terminou com a vítima ferida. Destas, em apenas duas ocorrências a arma de fogo não foi utilizada, com outros métodos de contenção, como arma de choque e balas de borracha, sendo empregados para imobilizar a pessoa em surto. Foto: Luiza Castro/Sul21Fonte: Sul21