Dia da Educação Profissional e Tecnológica (23/09): há o que comemorar?
No dia 23 de setembro celebramos o Dia da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), data que marca a importância dessa modalidade de ensino no projeto de país que desejamos construir, um país autônomo, justo e comprometido com a superação das desigualdades históricas que marcam nossa sociedade. Sua consolidação como política pública se expressa na criação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, que tem como horizonte a interiorização, a verticalização e a democratização do acesso ao conhecimento.A EPT desempenha um importante papel na luta por justiça social, por um modelo de desenvolvimento econômico mais autônomo e pela melhoria das condições de vida da população brasileira. A criação dos Institutos Federais representou um marco histórico nesse sentido, ao propor uma educação integral, socialmente referenciada e enraizada nos territórios.Entretanto, no atual momento histórico, o neoliberalismo educacional se impõe de forma contundente sobre as políticas públicas. O que se presencia é o aprofundamento de uma lógica de desmonte da educação pública, esvaziamento da formação crítica, imposição de currículos tecnicistas e o fortalecimento da mercantilização do ensino. Neoliberalismo em marcha: arrocho fiscal, captura empresarial e precarização da Rede FederalO arcabouço fiscal é, atualmente, um dos maiores obstáculos para a educação profissional e tecnológica. O orçamento está muito aquém das necessidades das instituições e é comum que reitorias e direções tenham que se submeter a buscar emendas parlamentares para obras e projetos ou estabeleçam parcerias público-privadas que corroem a vocação dos Institutos Federais (IFs). Além disso, a presença e influência de grandes empresários da educação junto ao MEC, assumindo um discurso de suposta defesa desse direito, acaba por ocultar a maneira como eles fomentam a precarização das escolas públicas e das carreiras ligadas à educação. Soma-se a esse cenário a ameaça da Reforma Administrativa , que, sob o falso pretexto de modernizar o Estado, ataca os pilares do serviço público ao propor o enfraquecimento da estabilidade, a flexibilização dos vínculos e o fim dos concursos como regra. Trata-se de uma ofensiva neoliberal que visa desresponsabilizar o Estado e abrir caminho para a privatização escancarada das políticas públicas. Caso avance, seus efeitos sobre a Rede Federal e a EPT serão devastadores: intensificando a precarização, destruindo direitos historicamente conquistados e desmontando o caráter público, democrático e popular da educação. O Edital nº 06/2025 e o avanço da privatizaçãoO Edital da Setec-MEC nº 06/2025, de 23/07/2025, é mais um capítulo dessa ofensiva. Trata-se de uma chamada pública que estabelece procedimentos para a autorização de oferta de cursos técnicos de nível médio por Instituições Privadas de Ensino Superior. Tal possibilidade é mais um passo em direção à privatização da educação e uma aliança com setores da burguesia brasileira que visam apenas o lucro. Ademais, é sabido que as instituições de ensino privado não têm como princípio o compromisso com pesquisa e extensão, esvaziando a potencialidade de uma formação mais completa e cidadã. A formação técnica vai além da profissionalização, ela deve se pautar no pensamento crítico, na produção de conhecimento e na cidadania. O Decreto nº 12.603/2025 e a nova Política Nacional de EPTPublicado com dois anos de atraso, o Decreto nº 12.603/2025 é prova que o Governo Federal não aproveitou o tempo para construir uma proposta com a participação popular nesse processo. Ignorou comunidades escolares, entidades classistas e movimentos sociais. Reproduziu o mesmo modus operandi autoritário da “reforma administrativa” do ensino médio (Lei nº 14.945/2023).O escanteamento dos segmentos sociais que atuam e fazem uso, direta e cotidianamente, da EPT, na construção de sua política, negligencia a promoção de uma educação integral, do ensino integrado e da qualidade socialmente referenciada ao enfatizar a formação e capacitação digital em todos os cursos, contudo, sem estabelecer orçamento robusto e adequado às demandas de uma verdadeira democratização e inclusão digital em todas as regiões e territórios do país.Outro fator preocupante é o condicionamento da oferta de cursos, obrigatoriamente, aos eixos e áreas tecnológicas estabelecidos nos Catálogos do MEC e Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia (CNCST). O Decreto exclui formalmente o projeto de Ensino Médio Integrado (EMI) da educação profissional técnica de nível médio, o que denota o esvaziamento do conceito de trabalho como princípio educativo e da politecnia, marcos pedagógicos fundantes da EPT.Além disso, a oferta concomitante “em instituições de ensino distintas” e “mediante convênios de intercomplementaridade” nada mais é do que um indicativo explícito do aprofundamento da precarização da oferta educacional na Rede Federal, bem como um sinal verde ao setor privado e das empresas educacionais, especialmente da indústria de tecnologias educacionais (EdTechs). Mas o problema também se estende ao ensino superior: isso porque a sujeição da oferta à lógica do empreendedorismo de mercado, no Decreto ficam de fora os cursos de licenciatura e programas especiais de formação pedagógica, previstos no Art. 7º da Lei nº 11.892/2008. No eixo tecnológico de Desenvolvimento Educacional e Social do CNTSC, por exemplo, só aparecem as áreas de Gestão Educacional, Intervenção Social e Tecnologia, Inovação e Práticas Laboratoriais, sem nenhuma menção aos cursos de formação de professores. A abstração do “mundo do trabalho” e o apagamento dos sujeitos.Ademais, a forma abstrata como a formulada na recorrente expressão do texto “demandas da sociedade e do mundo do trabalho”, ignora, omite ou obnubila as disputas e tensões no interior da sociedade e do mundo do trabalho. Tendo em conta o apagamento dos trabalhadores e de suas entidades na formulação da Política Nacional de Educação Profissional e Tecnológica (PNEPT), faz desta abstração nada mais nada menos do que um neologismo para os interesses do mercado e do capital. No âmbito da PNEPT, foi designada a Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) com participação de gestores educacionais, instituições formadoras e mundo do trabalho e mecanismos de escuta social, mais uma vez, sem mencionar a participação de entidades classistas que representam docentes e técnico-administrativos em educação, dos movimentos estudantis e de juventudes e os demais movimentos sociais. Vale destacar que a participação desses segmentos é indispensável a qualquer política que se proponha, de fato, ser inclusiva e que valorize a diversidade, a equidade, a sustentabilidade, a inclusão social e a cidadania. Seguir com essa postura é repetir a face autoritária, patrimonialista, desigual e discriminatória da história brasileira. Avaliação, financiamento e o risco de retrocessoO artigo 16 do Decreto nº 12.603/2025 institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Profissional e Tecnológica (SINAEPT) para medir a qualidade das instituições de ensino e seus cursos. No entanto, o artigo é vago e incompleto. Não atribui responsabilidades, nem elenca quais seriam os parâmetros ou metodologia para tal avaliação. Não elucida como será a participação dos sistemas de ensino, nem os marcos para o mesmo. Ao mesmo tempo também não prevê como o detalhamento sobre essa avaliação se dará, deixando um vácuo no decreto. No que diz respeito ao financiamento, o Decreto nº 12.603/2025 indica que a PNEPT será custeada por meio de dotações orçamentárias do Orçamento Geral da União, cuja série histórica de cortes tem seguido a política de austeridade neoliberal, acentuada com o golpe de 2016. A atual postura do governo de concentrar o orçamento público nas emendas parlamentares, esvaziando os cofres das instituições e sujeitando seus gestores à barganha nos gabinetes de Deputados Federais e Senadores ou captação de recursos privados para suprir despesas de capital e de custeio não apenas legitima como também fortalece a degeneração da política clientelista no Estado brasileiro.Além disso, ao tratar da educação profissional e tecnológica sem destacar sua complexa subdivisão em redes, bem como de natureza jurídica – privada ou pública – pode criar distorções que contribuem para o nivelamento por baixo, acelerando um processo de Senaização e explosão de FICs em oposição a oferta do ensino médio integrado. Ainda, este tipo de avaliação de iniciativas tão distintas podem reforçar os falsos argumentos do excessivo orçamentos a rede federal de educação, vista por seus detratores, como deveras onerosa e pouco eficiente, haja vista que muitos de seus egressos não ingressam no mercado de trabalho em nível técnico. Tendo em conta o SAEB e sua corolária Prova Brasil, caso algo análogo seja produzido no PNEPT, será possível haver distorções curriculares de instituições mais preocupadas em obter índices na referida avaliação do que preocupadas no cumprimento de um currículo técnico articulado com o currículo propedêutico, produzindo, em última instância, uma retirada da autonomia pedagógica docente, agora preocupado com imperativos externos a sua realidade. Qualquer avaliação que não tenha plena e central participação dos trabalhadores da educação não é avaliação, é instrumento de controle. Então, há o que comemorar?A EPT que defendemos está enraizada nos territórios, voltada para os sujeitos historicamente excluídos, comprometida com a justiça social, com a diversidade, com o direito ao conhecimento e com a transformação do mundo do trabalho.É uma EPT construída por estudantes, docentes, técnico-administrativos, coletivos populares e comunidades tradicionais. É uma EPT que não se curva ao mercado nem se rende ao capital. É trincheira de luta, resistência e esperança.Parabenizamos todas, todos e todes que cotidianamente constroem a EPT pública com dedicação, ética e compromisso com o povo brasileiro. Mas alertamos com veemência para as medidas que, silenciosamente, desfiguram o projeto original da Rede Federal e ameaçam a formação integral da juventude trabalhadora.Este 23 de setembro não pode ser apenas de celebração: é dia de denúncia e mobilização coletiva.Diante do exposto, a Coordenação de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE manifesta total repúdio às políticas de austeridade, privatização e desmonte da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.Reafirmamos nosso compromisso com a defesa de uma educação pública, gratuita, laica, popular, inclusiva e socialmente referenciada, pautada no trabalho como princípio educativo, na formação omnilateral, na autonomia pedagógica e na participação efetiva da classe trabalhadora na formulação das políticas educacionais.Convocamos todas, todos e todes a se somarem à luta em defesa da EPT e dos Institutos Federais!Educação não é mercadoria!Abaixo a reforma administrativa!Nenhum passo atrás na defesa da educação pública! Coordenação de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE Fonte: Sinasefe Nacional