Em julgamento, defesa de Bolsonaro tenta afastar ex-presidente da trama golpista
Nesta quarta-feira (3), a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) dá continuidade ao julgamento que pode condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete aliados por uma trama golpista com o intento de reverter o resultado das eleições de 2022. A defesa de Bolsonaro argumenta que ele não contribuiu para uma possível tentativa de golpe, afirmando que “não há uma única prova” da participação do ex-presidente no processo que culminou no 8 de janeiro.Para o advogado Celso Vilardi, Bolsonaro foi “dragado” para os fatos investigados pela Polícia Federal. “O ex-presidente não atentou contra o Estado Democrático de Direito”.“Um processo com base em uma delação e em uma minuta encontrada em um celular de uma pessoa que hoje é colaboradora da Justiça. Esse é o epicentro, essa é a pedra de toque do processo. A minuta e a colaboração. Daí em diante, o que aconteceu com a investigação da Polícia Federal e, depois, com a denúncia do Ministério Público é, na verdade, uma sucessão inacreditável de fatos.”“Foi achada uma minuta do Punhal Verde e Amarelo, uma minuta ou planilha de uma Operação Luneta e, como todos nós sabemos, ocorreu o trágico episódio de 8 de janeiro”, disse. “Não há uma única prova que atrele o presidente ao Punhal Verde e Amarelo, à Operação Luneta e ao 8 de janeiro. Aliás, nem o delator, que eu sustento que mentiu, chegou a dizer ‘participação em Punhal, em Luneta, em Copa, em 8 de janeiro’. Nem o delator. Não há uma única prova.”Vilardi argumenta que o ex-ajudante de ordens e delator Mauro Cid não é “confiável” e mudou de versão diversas vezes em seus interrogatórios. Para ele, as contradições do tenente-coronel são motivos para anulação da colaboração premiada.Segundo o advogado, a defesa recebeu 70 terabytes de material. “Quando estamos terminando a instrução, no dia 17 de maio, a gente recebe um e-mail dizendo que houve uma falha no arquivo do general Mário Fernandes. Um e-mail que recebi da Polícia Federal. Já tinha acabado a instrução. Às portas do interrogatório”.“Não tivemos acesso a provas. E, muito menos, prazo suficiente”, reforçou Celso Vilardi. “Nós não tivemos o tempo que o Ministério Público e a Polícia Federal tiveram. E não nós tivemos acesso a provas durante a instrução.”“Com 34 anos, é a primeira vez que venho à tribuna, com toda humildade, para dizer o seguinte: não conheço a íntegra desse processo. O conjunto da prova? Eu não conheço. São bilhões de documentos. Numa instrução de menos de 15 dias, seguida de interrogatório. A instrução começou em maio, nós estamos em setembro. 15 dias de prazo para a defesa.” ‘Tentativa da tentativa’Após a sustentação de Vilardi, o advogado Paulo Cunha Bueno argumentou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) busca condenar Bolsonaro pela “tentativa da tentativa” de um golpe de Estado. Ele afirmou que, mesmo na hipótese de um golpe ter sido cogitado, não foi apresentado nenhum ato do presidente que tenha contribuído para um ruptura institucional.Numa análise da descrição literal dos crimes contra o Estado de Direito na legislação, o advogado frisou que eles possuem uma redação restrita e específica, e não ampla. Essa foi uma opção do legislador para que esses crimes não sejam “usados como armas” em julgamento políticos.Ele ressaltou que o crime de golpe de Estado coloca como condição o emprego de “violência e grave ameaça”, mas que, a seu ver, a PGR não apresentou nenhum ato de violência ou grave ameaça praticado por Bolsonaro, motivo pelo qual o ex-presidente não poderia ser enquadrado nesse crime.“Não é possível acreditar que, em algum momento, haja um elemento que aponte ao presidente Jair Bolsonaro um ato violento ou de grave ameaça”, disse Bueno.Ainda que Bolsonaro tenha discutido com o ministro da Defesa e os comandantes das Forças Armadas, por exemplo, a possível assinatura de uma minuta de decreto golpista, Bueno defendeu que essa cogitação, por si só, não seria crime. Isso porque, segundo ele, o legislador não criminalizou atos meramente preparatórios. “Os atos preparatórios só poderiam ser puníveis se o legislador assim o tivesse colocado”, disse.Bueno insistiu a todo momento que, ao contrário das acusações da PGR, os atos e atitudes de Bolsonaro após a derrota eleitoral de 2022 foram todos no sentido de garantir uma transição de governo regular. Ele citou como prova dessa “transição regular”, o fato de Bolsonaro ter assinado antecipadamente, por exemplo, a nomeação de comandantes militares indicados pelo novo governo, devido à dificuldade de interlocução da equipe de transição com os ocupantes anteriores desses cargos. DenúnciaEm fevereiro deste ano, a PGR denunciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 33 pessoas ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa.O procurador-geral da República, Paulo Gonet, afirmou que o ex-presidente e o general Braga Netto, ex-ministro e vice na chapa com Bolsonaro – derrotada nas eleições de 2022, exerceram papel de liderança para realização de uma “trama conspiratória armada e executada contra as instituições democráticas”.Ontem (2), primeiro dia de julgamento no Supremo, Gonet destacou que testemunhos, registros e documentos provam que o ex-presidente liderou uma tentativa de golpe de Estado para se manter no poder.“Não há como negar fatos praticados publicamente, planos apreendidos, diálogos documentados e bens públicos deteriorados”, observou Gonet.“Se as defesas tentaram minimizar a contribuição individual de cada acusado e buscar interpretações distintas dos fatos, estes mesmos fatos, contudo, não tiveram como ser negados”, reforçou.No início de sua sustentação oral, Gonet fez também um discurso enfático contra a impunidade, afirmando ser “imperativo” para a manutenção do regime democrático que Bolsonaro e seus aliados sejam condenados pela tentativa de golpe.O procurador-geral da República buscou demonstrar como reuniões, ameaças e falas do ex-presidente teriam sido calculadas e coordenadas para “insuflar a militância”.Gonet citou reunião ministerial realizada em 5 de julho de 2021, na qual Bolsonaro aparece em vídeo conclamando seus auxiliares a atacar e espalhar desinformação sobre o sistema eletrônico de votação. Outro episódio mencionado pelo PGR foi o discurso do ex-presidente em comemoração do 7 de setembro, em 2021.Na ocasião, Bolsonaro ameaçou ministros do Supremo e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dizendo em discurso a apoiadores na Avenida Paulista, em São Paulo, que “só saio preso, morto ou com vitória”.“As palavras proferidas no dia da celebração nacional da Independência não podem ser confundidas com um arroubo isolado, mas expunham o projeto autoritário”, disse Gonet. Defesa dos outros réusO advogado do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira afirmou que seu cliente tentou demover o ex-presidente Jair Bolsonaro de tentativas de golpe de Estado. Para Andrew Fernandes, “está mais do que provado que o general Paulo Sérgio é inocente”.“O general Paulo Sérgio acabou sendo enredado em uma contumélia. Mas a prova dos autos, a instrução judicial demonstrou, de forma inequívoca, a sua inocência”, disse.“Ele assessorou o presidente da República [no sentido] de que nada poderia ser feito diante do resultado das eleições. É o que diz o delator. Se posicionou totalmente contrário a qualquer medida de exceção”, completou.Segundo Andrew Fernandes, membros da organização que orquestrava o golpe atuavam para retirar Paulo Sérgio do cargo. “Pera lá. Como é que ele fazia parte da organização criminosa? É a prova dos nove. Se estavam lutando para tirá-lo?”, questionou.O advogado José Luis Mendes de Oliveira Lima, conhecido como Juca, que defende o general Walter Braga Netto, afirmou que seu cliente pode ser condenado a morrer na cadeia com base em uma “delação premiada mentirosa” do tenente-coronel Mauro Cid, antigo ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro. Braga Netto foi ex-ministro da Casa Civil e vice de Jair Bolsonaro na chapa que concorreu à presidência da República de 2022.Juca frisou que Mauro Cid prestou depoimento após ter ficado quatro meses preso, e que ele mesmo disse, em áudios publicados pela revista Veja, ter sido coagido a falar.“Não há a menor dúvida de que a voluntariedade nesse acordo de colaboração premiada ficou à margem. [Mauro Cid] Foi coagido sim, e quem falou não foi este advogado, quem falou foi ele”.Segundo o advogado de Braga Netto, foram 15 versões diferentes dadas por Cid para os fatos investigados. Numa das acusações mais graves contra o general, o tenente-coronel disse ter recebido uma grande quantia em dinheiro, dentro de uma sacola de vinho, para financiar a execução do golpe.Juca apontou, contudo, que tal informação sobre o dinheiro somente apareceu 15 meses após o primeiro depoimento de Cid e depois de sua delação ter sido colocada sob suspeita pelo ministro Alexandre de Moraes, em razão de mudança nas versões dos fatos.A defesa do general Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), procurou demonstrar que seu cliente teria se distanciado do ex-presidente Jair Bolsonaro, afirmando que, ao fim do mandato presidencial, o general mal se reunia com o mandatário. Por esse motivo, nunca conversou com Bolsonaro sobre qualquer tentativa de golpe.“Quando o presidente Bolsonaro se aproxima dos partidos do Centrão e tem sua filiação ao PL, inicia-se sim um afastamento da cúpula do poder”, disse o advogado Matheus Milanez, que representa Heleno, em sustentação oral durante o julgamento do caso.O advogado de defesa destacou testemunhos de servidores do GSI, segundo os quais “houve uma clara redução da influência do general”. Dessa maneira, Milanez afirmou que Heleno nunca conversou com ninguém a respeito de eventual golpe de Estado.Como prova desse distanciamento, a defesa trouxe uma anotação da agenda particular do general, na qual ele escreve que o ex-presidente deveria tomar a vacina contra a covid-19, ato que Bolsonaro se negou a fazer durante a pandemia.O advogado rebateu ainda as provas apresentadas pela Procuradoria-Geral da República sobre a participação de Heleno na trama golpista.Matheus Milanez cita, por exemplo, uma fala do general em que ele diz ser “necessário fazer alguma coisa antes das eleições”, durante uma reunião ministerial com Bolsonaro.Segundo a defesa, a frase teria, na verdade, conotação legalista e não golpista.“O que o general Heleno está trazendo aqui são falas até certo ponto republicanas: após as eleições não tem discussão, quem ganha a maioria dos votos leva”, observou o advogado. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência BrasilFonte: Sul21