Professora de Geologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maria Luiza da Rosa conta que tomou conhecimento do projeto do aterro sanitário em 2020. Em seguida, foi convidada para analisar as características da área e avaliar, técnica e cientificamente, o quanto o local seria ou não adequado para a implementação do empreendimento.
O aterro sanitário se caracteriza por ter, em tese, uma construção específica para proteger o solo. Porém, por mais que tenha todos os cuidados, ela diz que sempre existe risco de contaminação. Por isso, enfatiza que esse tipo de empreendimento tem que ser colocado em áreas onde o terreno não tenha vulnerabilidade natural elevada. Não é o caso do projeto em Viamão, segundo a geóloga.
“O que a gente analisa, do ponto de vista geológico, é exatamente a vulnerabilidade natural. São as características do tipo de terreno e se ele é mais ou menos naturalmente protegido, pensando que vai ser colocado ali um empreendimento que, intrinsecamente, tem risco”, explica Maria Luiza.
Ao estudar a área, a geóloga e sua equipe constataram que o local em que se pretende instalar o aterro sanitário está sobre uma unidade que integra a planície costeira do RS. Esse sistema costeiro é formado por uma base de rochas de granito bem antiga e, acima, há o depósito de dunas também muito antigas, o que significa haver bastante areia na formação do terreno. Por ser arenoso, a área tem a característica de armazenar água.
“A gente tem exatamente nessa unidade, que a gente chama de Barreira Um ou, geomorfologicamente, de Coxilha das Lombas, um aquífero incrível. É o melhor sistema aquífero de toda a região metropolitana. É uma preciosidade, em termos de reserva de água com grande quantidade e excelente qualidade”, afirma.
Ao olhar a localização da Fazenda Montes Verdes, a geóloga constatou que o projeto do aterro sanitário está exatamente num divisor de águas, numa área alta de recarga do sistema do aquífero. Isso significa que, em caso de qualquer vazamento do aterro sanitário, pode haver a contaminação da água superficial de duas bacias hidrográficas, sendo a primeira delas a Bacia do Rio Gravataí, uma das mais importantes do RS, e a outra a bacia do Guaíba, com suas duas microbacias na região do Lami e de Itapuã. Além disso, pode haver a contaminação das nascentes que existem no local.
“Estamos colocando um empreendimento de risco numa área que tem todas essas características naturais e, como é muito arenoso, a tendência é não ter barreiras para esse contaminante. Se acontecer ali qualquer vazamento, qualquer problema, esse contaminante vai ter um caminho relativamente livre e rápido para chegar na água subterrânea”, explica a professora de Geologia da UFRGS.
A letra da lei
Como advogado, José Renato de Oliveira Barcellos acredita no sucesso da causa que defende. O sentimento é acrescido da avaliação de que o Poder Judiciário está hoje mais “sensível” ao temas ambientais. “Está melhor sensibilizar e conscientizar os magistrados sobre a importância de se manter as condições ambientais e ecológicas em estado de integridade, sobretudo na época em que vivemos, de colapso climático”, comenta.
A confiança é explicitada com base numa série de legislações. O advogado especialista em Direito Ambiental sustenta haver violações de dispositivos constitucionais e da legislação de Viamão, que não permite a instalação de aterro sanitário no local escolhido. Apesar disso, a Prefeitura emitiu a certidão de habilitação do empreendimento na Fazenda Montes Verdes. “A Prefeitura de Viamão emitiu esse documento e ele tem vícios, então a gente acredita que ele possa ser anulado judicialmente”, afirma.
Barcellos sustenta que o empreendimento viola importantes preceitos da legislação ambiental que impedem esse tipo de instalação numa área ecológica tão sensível. Entre eles, o princípio constitucional da proteção ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, conforme o Artigo 225 da Constituição Federal. O advogado faz menção também à Lei 6.938, de 1981, a qual estabelece uma série de requisitos para a instalação de aterros sanitários, além de resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que disciplinam esse tipo de instalação, assim como a legislação referente à Política Nacional dos Recursos Hídricos, que protege áreas dessa natureza.
O advogado explica que a empresa é obrigada, por lei, a escolher um dentre três modelos de negócios ao pedir autorização para o órgão ambiental. Na sua avaliação, o empreendedor escolheu a alternativa que lhe é mais favorável, porém, é também a mais sensível e com mais risco de contaminação ambiental.
“O empreendedor sempre vai tentar justificar dizendo que está adotando todas as precauções, os estudos técnicos mais avançados, uma tecnologia que não vai oferecer risco ao meio ambiente… mas a gente sabe que, em termos de aterro sanitário, não é assim”, avalia, lembrando o caso do Aterro da Extrema, em Porto Alegre, criado com discurso de segurança e que depois causou uma série de danos ambientais. O projeto do aterro sanitário na Fazenda Montes Verdes prevê 160 toneladas por dia de resíduos sólidos depositados na área.
Agora, com a licença prévia concedido pela Fepam, Barcellos conta que há um movimento para envolver o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal no processo. Com a licença concedida, os ambientalistas decidiram também envolver a Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, sustentando haver ilegalidades no processo do licenciamento prévio e do próprio indeferimento, primeiramente negado e depois concedido.
“Há um preceito maior estabelecido na Constituição Federal que é a proteção do meio ambiente sadio e ecologicamente preservado para o presente e às futuras gerações. Esse é um artigo, um princípio tão importante que ele acaba influenciando todo o ambiente normativo brasileiro, no sentido de que todas as normas infraconstitucionais sejam pensadas para a maior eficácia protetiva desse dispositivo”, explica Barcelos.
O advogado conta ainda haver outra importante alegação jurídica que pretende usar para tentar barrar o projeto do aterro sanitário mas, por enquanto, prefere não revelar.
Contaminantes
Conhecidos genericamente como chorume, o tipo de contaminação que pode afetar a região onde o aterro sanitário está instalado depende dos materiais nele depositados.
A geóloga Maria Luiza observa que o projeto do aterro sanitário em Viamão trata de resíduos mais comuns, ainda assim, há uma série de elementos químicos que estarão presentes e, com o tempo, vão sendo liberados e formando o chorume. Isso tudo, ela destaca, se houver um eficiente controle do lixo que será depositado no aterro sanitário.
“A gente sabe que não existe esse controle, então são infinitas as possibilidades de contaminantes que podem ser colocados nessa área. O sistema do subsolo tem essa característica de porosidade, uma permeabilidade elevada, e é uma área alta, então a tendência da gravidade é levar esses contaminantes. As áreas potencialmente atingidas são sensíveis e importantes do ponto de vista ambiental, além do aquífero”, explica.
Enquanto a placa da Fepam colocada diante da entrada da Fazenda Montes Verdes é o mais recente ato de uma disputa de cinco anos, o próximo lance ainda é uma incógnita.
Fonte: Sul 21 / Imagem: Canva