Fux vota por absolver réus do crime de organização criminosa
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (10) por afastar a imputação do crime de organização criminosa armada na ação penal sobre uma trama golpista que teria atuado para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder.Em uma longa exposição, Fux citou em sete pontos os motivos que o levaram a afastar tal imputação, com a justificativa de que as condutas narradas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) não se enquadram aos critérios previstos em lei para configurar o crime de organização criminosa.Para ele, por exemplo, a acusação não demonstrou que a reunião entre os réus teve como objetivo a prática de um número de delitos indeterminado, como exigido em lei, mas apenas alguns delitos pontuais e predeterminados. Tal exigência já foi confirmada pelo Supremo no julgamento sobre o caso que ficou conhecido como Mensalão, apontou Fux.“A acusação, em síntese, não indicou que os réus teriam se reunido para a prática de crimes indeterminados ou para uma série indeterminada de delitos, elemento necessário para a caracterização do crime de organização criminosa”, afirmou o ministro.Além disso, não foi demonstrada a “estabilidade e permanência” da suposta organização criminosa, o que seria uma exigência incontornável conforme previsto em lei.“Não há descrição se houve prova de que os réus têm por fim permanecer associados para a prática de novos crimes, por tempo indeterminado, após os crimes eventualmente planejados, o que manifestamente não foi narrado no caso dos autos”, indicou Fux.Ele também afastou o agravante de que a suposta organização criminosa teria se valido de armas para a prática de crimes, pois o procurador-geral da República, Paulo Gonet, não teria narrado em nenhum ponto da denúncia ou de suas alegações finais o uso de armas pelos réus.Para Fux, a doutrina jurídica brasileira é pacífica em dizer que não basta que o réu tenha porte de armas para que o agravante seja aplicado, sendo indispensável que tal arma tenha sido de fato usada para cometer crimes. AnulaçãoFux também acolheu a alegação de cerceamento de defesa usada pelos advogados dos réus da ação penal que trata de uma suposta trama golpista, que teria atuado para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder mesmo após derrota eleitoral em 2022.Fux divergiu do relator, ministro Alexandre de Moraes, e de Flávio Dino, que votaram nesta terça pela rejeição de todas as preliminares suscitadas pelos advogados, inclusive a de cerceamento de defesa.Para Fux, contudo, o imenso volume de dados anexado ao processo e o pouco tempo concedido para a análise dos mais de 70 terabytes em informação configurou um cerceamento de defesa, uma vez que os advogados dos réus não tiveram tempo hábil para verificar as provas.O ministro votou para que isso resulte na anulação do processo até o momento do recebimento da denúncia, “em razão dessa disponibilidade tardia que apelidei de um tsunami de dados e que, no direito anglo-saxônico se denomina document dumping [acúmulo de documentos]. E sem indicação suficiente e antecedência minimamente razoável para a prática dos atos processuais”, disse.“Apenas em meados de maio, cerca de cinco dias antes do início da oitiva das testemunhas, a Polícia Federal enviou links de acesso para as defesas”, observou o ministro. “Como se não bastasse, novos arquivos foram incluídos, no curso da instrução processual – inclusive em 15 de junho de 2025. (…) Confesso que tive dificuldade para elaborar um voto imenso”, disse Fux. Crime únicoSobre um dos pontos mais controversos em julgamento, Fux entendeu que os crimes de golpe de Estado e de tentativa violenta de abolir o Estado Democrático de Direito, a seu ver, não podem ocorrer ao mesmo tempo, uma vez que o primeiro “absorve” o segundo.“A duplicidade dos crimes do Estado Democrático de Direito revelou-se equivocado. Mesmo em tese, o delito de abolição violenta constitui-se como meio para outro delito, que é o golpe de Estado”, disse o ministro.Fux citou votos anteriores, seus e de outros ministros, que apontam nesse sentido, sobretudo em julgamentos sobre os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes da República. ImprocedênciaUma vez afastados o agravante sobre o uso de armas e com a absorção do crime de atentado contra o Estado de Direito pelo de golpe de Estado, não estaria caracterizada a prática de mais de dois crimes com pena superior a quatro anos, uma exigência legal para que se possa enquadrar a reunião dos réus para a prática de delitos como uma organização criminosa, compreendeu Fux.“Eu julgo manifesta ausência de correspondência entre as condutas narradas na inicial e o tipo penal, o que não permite outro caminho se não o de julgar improcedente a acusação no que tange à acusação do crime de organização criminosa”, concluiu o ministro.Antes, Fux já havia votado por atender a pedidos dos advogados e reconhecer nulidades processuais, como o cerceamento de defesa e a incompetência do Supremo para julgar o caso. IncompetênciaAo abrir seu voto, o ministro Luiz Fux votou pela incompetência da Corte para julgar a ação penal sobre uma trama golpista que teria atuado para manter o ex-presidente Jair Bolsonaro no poder mesmo com derrota nas eleições de 2022.Para o ministro, o caso deveria ter tramitado na primeira instância da Justiça Federal, uma vez que nenhum dos oito réus possui foro por prerrogativa de função no Supremo Tribunal Federal (STF).Na avaliação dele, o processo que tramita no Supremo deveria ser inteiramente anulado. “Estamos diante de uma incompetência absoluta”, disse. “E, como é sabido, em virtude da incompetência absoluta para o julgamento, impõem-se a declaração de nulidade de todos os atos decisórios praticados”, complementou Fux.Em março deste ano, o Supremo aprovou, por 7 votos a 4, uma nova interpretação do foro privilegiado, para afirmar que casos criminais devem tramitar na Corte mesmo após o ocupante deixar o cargo.Para o ministro, essa modificação “recentíssima”, feita neste ano no Regimento Interno do Supremo, que alterou a interpretação sobre o foro privilegiado e embasou a decisão de manter o julgamento na Primeira Turma da Corte, não poderia ter sido aplicado ao caso da trama golpista.Isso porque os fatos investigados ocorreram antes de tal modificação, entre 2021 e 2023, apontou o ministro. Fux afirmou que a Constituição protege o cidadão para impedir a aplicação dessa “modificação da competência como resultado de uma interpretação após o crime”.Ele afirmou ainda que aplicar essa modificação de entendimento ao caso “gera questionamentos não só sobre casuísmos, mas mais do que isso, ofende o princípio do juiz natural e da segurança jurídica”.“O que eu quero dizer é que o Supremo Tribunal Federal mudou a competência depois da data dos crimes aqui muito bem apontados por sua excelência, o procurador-geral da República [Paulo Gonet]”, resumiu Fux. JulgamentoO ministro é o terceiro a votar no caso, sendo o primeiro a divergir sobre questões preliminares levantadas pelas defesas e que podem anular o processo, bem como sobre a tipificação de crimes.Na terça (9), o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal, e o ministro Flávio Dino rejeitaram todas as questões preliminares e votaram pela condenação de todos os oito réus pelos crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).Nesta quarta-feira (10), a Primeira Turma do Supremo retomou o julgamento que pode condenar Bolsonaro e mais sete aliados por uma trama golpista que teria atuado para reverter o resultado das eleições de 2022.O grupo faz parte do núcleo crucial da denúncia apresentada pela PGR, formado pelas principais cabeças do complô.O julgamento começou na semana passada, quando foram ouvidas as sustentações das defesas, além da manifestação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, favorável à condenação de todos os réus.A análise está prevista para durar até sexta (12). Ainda devem votar a ministra Cármen Lúcia e o ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma e responsável pela condução dos trabalhos. Foto: Fabio Rodrigo-Pozzebom/Agência BrasilFonte: Sul21