"Nos queremos vivas": Ato cobra políticas públicas de combate à violência contra a mulher
Em defesa da vida das mulheres, manifestantes se reuniram na Esquina Democrática, no Centro Histórico de Porto Alegre, nesta quinta-feira (28). Ao anoitecer, o grupo ocupou a região para cobrar políticas públicas eficazes no combate à violência contra a mulher e denunciar o cenário de insegurança vivido na Capital e em todo o Rio Grande do Sul.O ato ocorre em meio a um cenário alarmante de feminicídios no estado. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Rio Grande do Sul registrou 36 feminicídios apenas no primeiro semestre de 2025. Faixas, cartazes e adesivos exibiam o apelo: “Nos queremos vivas!”“A nossa cidade, assim como o estado, vive uma epidemia de feminicídios e de violência contra as mulheres”, disse a vereadora Juliana de Souza (PT). “É por isso que a gente tá aqui hoje e que vai seguir lutando. Para que de fato a gente possa ter uma rede de proteção às mulheres vítimas de violência fortalecida e políticas que garantam a autonomia financeira e as condições das mulheres saírem e romperem esse ciclo de violência”, acrescentou.Diante do número de mortes, manifestantes apontaram a insuficiência das políticas de segurança. “Nós temos uma rede que ela é muito precária no Rio Grande do Sul e uma rede em Porto Alegre mais precária ainda”, afirmou Maria do Carmo, representante da Marcha Mundial das Mulheres.A ativista questionou o papel desempenhado pelos líderes do executivo, principalmente do governador Eduardo Leite (PSD). “Nós temos um governador que faz da pauta da mulher, uma ação midiática. Quase no final do governo dele, ele cria uma secretaria e não é para trazer mais serviço para as mulheres ou para fazer uma integração de rede no Rio Grande do Sul, é uma ação para bonito, dizendo que fez alguma coisa”, criticou.Na terça-feira (26), a Assembleia Legislativa aprovou o projeto de lei do Executivo que recria a Secretaria de Políticas para as Mulheres, apresentado por Leite após mobilização da bancada feminina e de movimentos sociais.A rede de proteção de Porto Alegre também esteve no centro das reivindicações, diante de decisões recentes da Prefeitura. No início de agosto, o prefeito Sebastião Melo (MDB) vetou parcialmente o projeto de lei que institui auxílio aluguel para mulheres vítimas de violência doméstica. O veto eliminou os artigos que estabeleciam o valor e o tempo de duração do benefício.No ato, manifestantes pediram a derrubada do veto. A vereadora Juliana destaca que o projeto, aprovado na Câmara, representaria uma grande vitória para a cidade, mas ressalta que a decisão do prefeito comprometerá sua eficácia. “Esse veto dele mostra o seu total descompromisso com a vida das mulheres porto-alegrenses”, disse.Também neste mês, a Justiça acatou uma ação da Prefeitura de Porto Alegre e ordenou a desocupação do imóvel usado pela Casa de Referência Mulheres Mirabal, que acolhe mulheres em situação de violência. A intimação judicial foi suspensa nesta quinta, mas diante da situação, ao longo do ato manifestantes ecoavam “resiste Mirabal”.Integrante do Movimento de Mulheres Olga Benario RS, que organiza a Casa, Andressa Ribeiro disse que a intimação não surpreendeu, mas foi recebida com indignação. “A gente vai fazer agora em novembro 9 anos de existência. A gente acolheu mais de 1000 mulheres e a gente, na verdade, sempre se colocou como mais uma casa de atendimento no município”, relatou. “A gente constrói essas casas como denúncia da falta de investimento do poder público em casas do estado, da prefeitura, da assistência que o estado deveria dar e não dá ou dá pouca”, completou.Andressa destaca que, embora Porto Alegre tenha, em tese, uma rede bem estruturada de enfrentamento à violência contra as mulheres, na prática os serviços apresentam muitas falhas. Entre os principais problemas, ela cita a insuficiência de abrigos públicos, as restrições impostas por eles e a ausência de políticas que incentivem a geração de renda para que as vítimas possam romper o ciclo de violência.“Não só existir uma casa abrigo, mas o CRAS funcionar ali, se ela precisa de um bolsa família, se ela precisa de um aluguel social, ter vagas nas creches. Então, é toda uma rede de acompanhamento direto e indireto que essa mulher precisa ter para conseguir sair dessa situação de violência”, afirmou.As manifestantes também pediram a ampliação de delegacias especializadas. Hoje, no Rio Grande do Sul, apenas uma Delegacia da Mulher funciona 24 horas, localizada em Porto Alegre. A Capital conta com apenas mais uma unidade que, segundo relatos, atende apenas em meio turno. “Pela lei todas as delegacias da mulher deveriam ser 24 horas. Não é o suficiente a rede que a gente tem hoje para atender a demanda absurda de violência que o nosso estado vem passando”, disse a integrante da Mirabal.Niara de Luz, coordenadora geral do DCE da UFRGS, descreve o cenário de Porto Alegre no enfrentamento à violência contra a mulher como “desesperador”. Ela critica a base do governo Melo na Câmara de Vereadores, afirmando que há uma priorização de pautas voltadas à manutenção de uma agenda neoliberal, em detrimento de questões que afetam diretamente a segurança das mulheres.A estudante ressalta que, infelizmente, o cenário observado em Porto Alegre se repete em âmbito estadual e atinge todos os municípios. Segundo ela, nem o governo Melo, nem o governo Leite têm sido capazes de apresentar perspectivas de vida nesse sentido. “O projeto deles é um projeto neoliberal que ameaça a vida das mulheres e por isso eu acho que este ato aqui de denúncia precisa ser o nosso ponto de partida, para mostrar essa perspectiva para as várias mulheres que estão aí e precisam de serviços assim”, disse.Presidenta da comissão que debate as cotas trans na UFRGS, Niara chama atenção para a realidade de mulheres transsexuais e travestis, que enfrentam um espaço de ainda mais vulnerabilidade diante da ausência de políticas públicas eficazes. Ela destaca que, para esse grupo, a violência é cotidiana e marcada por um histórico de marginalização. “Tu não vê essas mulheres no mercado de trabalho e quando estão, estão no mercado de trabalho informal, senão, infelizmente, tendo que mercantilizar o seu próprio corpo para poder sobreviver”, relata. “Se em um contexto geral para as mulheres já é difícil, para essas então que estão sobre a marginalidade é muito aí muito pior”, diz.As críticas à fragilidade da rede pública de proteção às mulheres marcaram os discursos realizados no cruzamento da Avenida Borges de Medeiros com a Rua da Praia. Após os pronunciamentos, as manifestantes seguiram em caminhada pelo Centro, entoando: “Quero respeito, dignidade, a mulherada é quem sustenta essa cidade”. Fonte: Sul 21 / Imagem: Marihá Maria/Sul21