Smed tenta impedir paralisações em meio a escalada de violência nas escolas municipais
A Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) José Loureiro da Silva, no bairro Cristal, foi palco de mais um caso de violência contra o corpo docente na última terça-feira (26). A presidente do conselho escolar, professora Luciana Conceição, relata que um aluno estava agredindo outras crianças dentro da escola e começou a agredir os professores no momento em que foi repreendido. Quando a vice-diretora entrou em contato com a família do aluno, o responsável desferiu ameaças a todo o corpo docente. O acontecido soma-se ao episódio na EMEF Morro da Cruz, em que a mãe de uma aluna agrediu a vice-diretora após uma discussão em 12 de agosto, e ao caso da EMEF Senador Alberto Pasqualini, onde professoras foram ameaçadas de morte no mês de junho. Frente à escalada de violência nas escolas municipais de Porto Alegre, professores e entidades representativas apontam que a Secretaria Municipal de Educação (Smed) não atua para prevenir os casos – pelo contrário, tenta impedir que as escolas façam paralisações após os episódios de agressão.Tanto na EMEF Morro da Cruz quanto na EMEF Senador Alberto Pasqualini, os conselhos escolares decidiram suspender as aulas quando os professores foram agredidos. Diante da decisão, nos dois casos, a Smed ameaçou abrir sindicâncias sobre as paralisações. “As direções receberam ligações da Smed dizendo que teria que ter aula. Mesmo assim, as escolas optaram por paralisar”, relembra a diretora da Associação dos Trabalhadores/as em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa) Rosele Cozza.A EMEF José Loureiro da Silva não recebeu tal ligação, mas a Smed não compareceu à reunião convocada pelo conselho escolar. “Solicitamos, mas não foi ninguém da Smed”, diz a professora Luciana. “Compareceu a Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência na Escola (Cipave) e três psicólogos, mas eles chegaram sem nada planejado. Conseguimos convocar alguns vereadores, a Atempa e o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa)”.Para a Atempa, a Smed tem constrangido as direções, que temem ser substituídas a qualquer hora por pessoas indicadas pela pasta. Isso porque o governo de Sebastião Melo (MDB) conseguiu uma liminar que autoriza a nomeação, pela Prefeitura, de diretores de escolas. Antes, era obrigatório fazer uma eleição para escolher a direção de cada EMEF. A diretora Rosele pontua que a Smed, ao tentar impedir paralisações, está normalizando graves situações de violência. “Não estamos aqui defendendo que não tenha aula por qualquer coisa. Uma situação onde um professor é agredido por aluno, no mínimo tem que ter uma conversa com a comunidade para que as famílias entendam que aquilo não é aceitável. Quando a escola funciona no mesmo turno ou no outro dia, como se nada tivesse acontecido, qual é a mensagem passada para a comunidade? Não tem como achar que dá para atender os alunos depois de um fato desses”, afirma.“A Smed deveria empoderar essas direções. O que estamos vendo é justamente o contrário, é a Smed desautorizando as direções nas decisões que elas tomam junto com o conselho escolar, e isso é muito grave”, diz Rosele.Ainda segundo a diretora da Atempa, os casos de violência têm diversas razões: da desvalorização dos professores à falta de profissionais, o ambiente escolar tem se tornado cada vez mais propício a esse tipo de situação. “Tem escolas cujo quadro de professores é o mínimo do mínimo, e em muitas escolas faltam professores. Quando não tem professor numa turma, isso já gera uma desorganização e muitas vezes causa situações de conflitos graves”, pontua.Em nota, a Smed afirma que compreende a preocupação da comunidade escolar diante das situações de conflito. “Contudo, conforme a Instrução Normativa nº 008/2025, a decisão de suspender aulas depende de autorização da Smed, a fim de garantir respaldo legal e pedagógico às escolas, bem como assegurar o direito à educação de todos os estudantes. Sempre que ocorrerem situações graves, orientamos que a direção comunique imediatamente à Secretaria, para que possamos atuar em conjunto”, explica a pasta. ‘Chegamos no fundo do poço’Conforme a professora Luciana, da EMEF José Loureiro da Silva, os episódios de violência são frequentes na escola. “Muitos professores já tinham até normalizado isso”, relata.O colégio, que completa 70 anos em 2025, atende mais de mil alunos e está com problemas de infraestrutura. “A obra do ginásio começou há pouco tempo e não tem previsão para acabar, é um espaço que não estamos utilizando. Um muro está caindo, e colocaram uma proteção que reduz quase metade do espaço do pátio externo da escola. Tem uma obra no esgoto que começou e não terminou, então quando chove inunda as salas da educação infantil e os pequenos não têm espaço para brincar. No recreio, quando eles estão todos apertados no pátio, os casos de violência chegam a lotar o Serviço de Orientação Educacional (Soe)”, elenca a presidente do conselho escolar. “A escola precisa ter espaços minimamente humanos e acolhedores com os alunos que vivem em vulnerabilidade”, constata Luciana.A professora relata ainda que há muitos casos de misoginia, racismo e homofobia entre os alunos e por parte deles contra os professores. Com isso, vários docentes estão se afastando com licença saúde. “Nossa saúde mental está abalada frente ao descaso do poder público”, desabafa. “São tantas exigências que a gente se sente assediado moralmente. A gente não tem nenhum acolhimento, só exigências de um gestor que conhece pouco a realidade das nossas periferias. Sem contar a defasagem salarial, que afeta o bolso e a mente. A gente chegou no fundo do poço, precisamos parar para se ouvir e conversar”, diz, referindo-se à paralisação da escola na semana passada. Luciana explica que, diante do acontecido, a Smed se responsabilizou por entrar em contato com a família que ameaçou a escola e por encaminhar a criança para outra escola da rede. O aluno não voltou a frequentar a EMEF José Loureiro da Silva quando as aulas voltaram. Além disso, segundo a professora, a Smed garantiu em curto prazo um atendimento psicológico para os professores – mas não definiu em que momento esse atendimento vai acontecer. “A gente não tem mais um dia específico em que possamos parar para conversar e fazer planejamento. Então não sei como eles vão fazer, mas vão atender os professores na escola”, diz Luciana.A Smed diz que oferece apoio às equipes escolares. “Esse atendimento é articulado de acordo com a rotina das escolas, sem prejuízo às atividades pedagógicas, respeitando os horários de planejamento dos servidores e a organização interna de cada unidade”, afirma, em nota.Para a professora, a rede municipal nunca esteve tão vulnerável quanto agora. “O ódio que esse governo conseguiu plantar na cabeça das pessoas contra os professores é muito sério, porque alguns responsáveis e o próprio governo nos culpabiliza por tudo. Mas olhar para o equipamento de educação em si, com todas as deficiências, e culpabilizar a gente, reflete diretamente na comunidade, que reproduz o discurso do gestor. As pessoas se sentem no direito de nos culpabilizar e aí começam as violências”, afirma. O que diz a SmedProcurada pelo Sul21, a Secretaria de Educação afirma que acompanha e registra situações de violência em suas escolas por meio de relatórios encaminhados pelas direções. No entanto, por envolver dados sensíveis de servidores e estudantes, a Secretaria não divulga publicamente informações individualizadas.“Entendemos que a violência que chega às escolas nasce de fatores sociais mais amplos – vulnerabilidade das famílias, ausência de redes de apoio, banalização da agressividade no cotidiano e até a influência das redes sociais. A escola não está isolada dessa realidade, mas tem o papel de ser espaço de respeito e cuidado”, diz a pasta, em nota.Para prevenir as agressões, a Smed diz estar ampliando as ações de mediação de conflitos e fortalecendo as Comissões Internas de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar (Cipaves) em todas as escolas. “Esse trabalho se dá por meio de práticas de prevenção, formação em justiça restaurativa e círculos de construção de paz, desenvolvimento do Programa Acesso (voltado a comportamentos mais seguros), promoção da comunicação não violenta, além da produção de cartilhas, campanhas educativas e realização de reuniões da Cipave/Smed nas unidades escolares”. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil