Um ano após Lei do Marco Temporal, relatório aponta aumento da violência contra indígenas
O primeiro ano de vigência da Lei do Marco Temporal foi marcado por conflitos e aumento da violência contra os povos indígenas, segundo aponta o relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil de 2024, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Em todo o Brasil, foram registados 211 assassinatos de indígenas, sendo sete deles no Rio Grande do Sul. Lançado nesta segunda-feira (28), os dados do documento reforçam a necessidade da demarcação das terras.O relatório funciona como um instrumento de denúncia sobre as violações de direitos dos povos originários. O estudo reúne 19 categorias de análise, distribuídas em três eixos: violência contra o patrimônio indígena, violência contra a pessoa e violência por omissão do poder público.O ano de 2024 foi o primeiro sob vigência da Lei 14.701/2023, conhecida como Lei do Marco Temporal, aprovada pelo Congresso Nacional no final de 2023. Segundo o Cimi, a norma fragilizou os direitos territoriais dos povos originários, gerando insegurança jurídica e incentivando conflitos e ataques em todas as regiões do país.Conforme o relatório do ano de 2024, com a nova lei em vigor, as demarcações avançaram lentamente, enquanto terras indígenas, inclusive as já regularizadas, foram alvo de invasões e pressões de grileiros, fazendeiros, caçadores, madeireiros e garimpeiros. Os números de assassinatos e suicídios entre indígenas permaneceram elevados, assim como os casos de desassistência e omissão por parte do Estado.“A minha tristeza maior é a violência, porque é uma coisa que eu não entendo. Nós temos uma bandeira que lá tem ‘Ordem e Progresso’, temos uma Constituição Federal que era favorável a gente, e aí vem essa lei 14.701. Uma lei que vem para deslegitimar, criminalizar e também trazer a invasão dos grileiros, dos fazendeiros às nossas terras. Porque essas terras estão só no processo de demarcar, e isso não acontece”, disse Mari Tubinambá, liderança da Terra Indígena Tubinambá de Olivença, na Bahia, no evento de lançamento do relatório, realizado em Brasília.“Esse relatório é uma oportunidade de visibilizarmos o lento extermínio dos povos indígenas. O extermínio, eu digo, não tanto em termos de número de pessoas, mas de culturas, de línguas, das presenças dos primeiros habitantes”, afirmou o cardeal Leonardo Ulrich Steiner, presidente do Cimi, durante a apresentação do documento.O relatório também destaca os impactos da crise climática sobre os povos indígenas. De acordo com o Cimi, essas populações estão entre as mais afetadas por eventos extremos, como as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul no ano passado. Conforme a análise do Conselho, nessas regiões, as inundações agravaram a vulnerabilidade de comunidades já fragilizadas. Dados de 2024O relatório é elaborado anualmente com base em dados de diversas fontes, como os regionais do Cimi, comunidades indígenas, veículos de comunicação e informações públicas de órgãos como a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e secretarias estaduais de saúde.Em 2024, o capítulo sobre violência contra o patrimônio indígena registrou 1.241 casos. A seção está dividida em três categorias: omissão e morosidade na regularização de terras (857 casos), conflitos relativos a direitos territoriais (154 casos) e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio (230 casos).Dentre as TIs com conflitos territoriais, dois terços (78) não estavam regularizadas, concentrando 101 dos 154 registros. No caso das invasões e danos ao patrimônio, 61% ocorreram em terras já reconhecidas, sendo 85 regularizadas, 10 reservadas e duas dominiais. Ao menos 48 TIs registraram incêndios ou queimadas, com extensas áreas devastadas pelo fogo.Em relação a violência contra a pessoa, a apuração contabilizou 424 casos em 2024, divididos nas seguintes categorias: abuso de poder (19), ameaça de morte (20), ameaças diversas (35), assassinatos (211), homicídio culposo (20), lesões corporais (29), racismo e discriminação étnico-cultural (39), tentativa de assassinato (31) e violência sexual (20).Os estados com maior número de assassinatos seguem os mesmos dos últimos anos: Roraima (57), Amazonas (45) e Mato Grosso do Sul (33). No Rio Grande do Sul foram sete casos.O terceiro eixo, violência por omissão do poder público, é divido em sete categorias. Segundo os dados, foram registrados 208 suicídios de indígenas em 2024. Os maiores números ocorreram no Amazonas (75), Mato Grosso do Sul (42) e Roraima (26). A maioria dos suicídios ocorreu entre jovens de até 19 anos (32%) e entre 20 e 29 anos (37%).Ainda segundo o relatório, 922 crianças indígenas de 0 a 4 anos morreram em 2024. Os estados com mais óbitos foram Amazonas (274), Roraima (139) e Mato Grosso (127). As principais causas das mortes, consideradas evitáveis, foram gripe e pneumonia (103 casos), diarreia e doenças intestinais (64) e desnutrição (43). O documento destaca que ações adequadas de saúde pública poderiam evitar ou reduzir esses números.Outros dados incluem: desassistência geral (47 casos), desassistência na área da educação (87), na saúde (83), disseminação de álcool e outras drogas (10) e mortes por desassistência à saúde (84), totalizando 311 casos.Conforme o Cimi, essas situações são recorrentes e referem-se à falta de infraestrutura em aldeias do país inteiro. Segundo a análise do documento, as inundações e acúmulo de chuvas no Rio Grande do Sul agravaram estas circunstancias e provocaram, em alguns casos, vulnerabilidade severa a comunidades inteiras.Por fim, o relatório aponta as ameaças aos povos indígenas em isolamento voluntário. Foram registrados 119 casos na Amazônia Legal, conforme a Equipe de Apoio aos Povos Livres (Eapil) do Cimi. Desses, 37 estão em áreas sem informações da Funai quanto à proteção ou demarcação. Ao menos 22 Terras Indígenas de povos isolados com algum grau de reconhecimento estatal sofreram invasões, exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio. Fonte: Sul 21 / Imagem: Gabriel Divulgação/Schlickmann/Cimi